segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A História Do Homem Que Faz A Chuva


   Ontem eu sonhei que eu era o homem que faz as chuvas. Eu tinha uma barba longa e cinza. não cinza poeira ou cinza muro chapiscado, eu tinha as barbas cinza cor de nuvem pesada que precede a tempestade – daquelas que te fazem se arrepender amargamente de ter esquecido o guarda-chuva dependurado na estante da sala de estar. Meus fios cinzentos desciam caramujeleantes se enroscando uns nos outros e minha barba ia se avolumando como um pedaço de miolo de pão em água fresca. Os fios inclinados e contorcidos me rodeavam como se eu fosse um deus grego envolto em fumaça.
   De toda a confusão de fios brotavam minhas duas mãos esquálidas. os ossos eram iguais aos de caveiras esquecidas em covas rasas, amarelados e corroídos pelo tempo. Eu tinha unhas longas que não acabavam mais e brilhavam forte de azul acinzentado. A claridade ofuscava meus olhos e eu tinha que piscar com calma para controlar a entrada de luz. Tentei bater as mãos e experimentar um pouco do poder que me fora dado. Apliquei força demais e o estrondo quase me tira toda a audição. O eco fez seu papel e eu ouvi minhas palmas retumbarem ao longe, sabe-se lá onde. Aos poucos peguei o ritmo das batidas, fazendo as coisas ficarem mais interessantes. Minhas unhas tomaram vida própria e se envolveram nos fios de minha barba infinita. em pouco todo meu corpo brilhava periodicamente, espalhando flashes de luz de um lado para o outro. Eu era como um astro cadente no auge de sua iluminação, e era bom me sentir assim. Era bom faiscar e fazer soar as trovoadas ensurdecedoras.
   Quando todo meu corpo entrou no mesmo estado de animação, eu comecei a chorar. Sem motivo aparente, eu simplesmente chorava como chora um apaixonado ao perder seu único e verdadeiro amor, lágrimas desciam pelo meu corpo causando arrepios e criando rios inusitados. Meu choro ficava mais e mais intenso, e a cada gota que caía um fio de minha barba se soltava. A dor me dava cólicas incontroláveis e meus soluços aumentaram. Eram cada vez mais e mais gotas por segundo, molhando minha alma e lavando meu corpo, escorrendo pelos meus braços nus e pingando pelas pontas dos dedos.
   Perdi a noção do tempo, e de repente a dor parou. eu me sentia completo, limpo, puro. Meu choro cessou e meus olhos foram lentamente se adequando à luz do dia. Olhei para baixo e não havia mais barba. minhas mãos tinham unhas aparadas e transparentes. Apalpei o rosto com cuidado e senti minha pele lisa como a de um bebê recoberto em talco. Meus dedos eram carnudos e esbranquiçados. Do meu pescoço pendia um roupão de um branco absurdamente acolhedor. Cercando-me e envolvendo-me, o roupão cobria meu corpo, seguindo meus movimentos como uma grinalda arrastada por uma noiva em dia de festa. Debaixo de mim, colinas e vales e cidades molhados de minhas lágrimas.
   Acordei com a luz do sol no quarto queimando minha retina. Passei as mãos no rosto e senti meus fios de barba que começavam a apontar: daqui a alguns dias teremos chuva de novo.



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